- Bom dia, Ritinha! Ai, tu põe-me esse ar condicionado no máximo que eu estou a suar que nem uma porca. Credo, este calor mata-nos! Mata mesmo: esta semana já é o segundo caixão que está na capela. Tudo por causa destas malditas ondas de calor. Não tarda está tudo a arder outra vez.
- Vire a boca para lá, Dona Alice! Incêndios como os do ano passado é que não, valha-nos Deus.
- Anda lá, mete o aparelho a funcionar como deve ser que eu estou que nem posso.
- Já está, já está. Só que demora um bocadinho a vir o ar fresco, é como no carro.
- Olha lá, então a tua chefe não está cá hoje? Onde é que ela anda metida?
- Foi passar uns dias fora com o marido, só volta no Domingo.
- Ai sim? Olha que a vi ontem ao pé do multibanco e nem palavra. Não conta nada a ninguém, é danada. Deve ser o Soares, aquele malandro, que não quer que ela abra a boca. Olha que não o posso ver. Não é que eu goste muito dela, que não gosto, mas ele é do piorio. Sempre armado em importante. Como se aquilo valesse alguma coisa. Feio que nem um bode! O meu Fernando – que Deus o tenha em descanso – era muito bruto, mas fazíamos um par como não se via aí nas redondezas. Ai, quando eu era nova, havias de ver as invejosas das raparigas da minha idade; todas de roda dele, mas era sempre comigo que ele queria dançar. Corríamos os bailes das aldeolas todas.
- Tomara eu conservar essa carinha quando tiver a sua idade, Dona Alice.
- Conservas de certeza, que o trabalho não ta estraga. Se andasses de sol a sol no campo como eu andei é que eu queria ver. Mas vocês agora nem sol apanham, andam brancas que nem as princesas de antigamente. O que vos dá cabo da pele são essas porcarias com que vocês encharcam as bochechas. Aqui há tempos, a minha neta apareceu-me lá em casa com a cara toda besuntada; parecia uma parede acabadinha de estucar. Eu contive-me e nem lhe disse nada, senão amua logo. Mas dei-lhe uma beijoca na bochecha só para lhe estragar o unto. O meu Américo fartou-se de gozar com ela. Eu não sei como é que eles a deixam andar assim; nem ele nem a mãe abrem a boca. Uma coisa te digo, há modernices que não têm jeitinho nenhum. Com uma carinha tão linda e vai-se pintar daquela maneira. Já para não falar no dinheirão que gasta naqueles cremes todos.
- Ó Dona Alice, então mas se a sua neta se sente mais bonita assim. Deixe lá a rapariga andar como gosta.
- Eu deixo, eu deixo. Aquela rapariga é uma jóia. Na escola nunca foi grande espingarda, lá isso não. Mas, desde pequena, sempre foi muito querida. Ó avó, faz-me isto, faz-me aquilo. E eu fazia, mesmo contra a vontade do meu Fernando. Ele punha-se a resmungar “lá estás tu a mimar a miúda, ela precisa é de regras e de boa educação”.
- O seu falecido marido realmente tinha com cada uma.
- Era tudo ciúmes! Se sabia que a neta ficava lá em casa depois da escola, aparecia sempre com um bolito na algibeira. Para mim e para ele, nada. Mas para a netinha! Podia ter muitos defeitos, e tinha, como tu sabes, mas a minha Liliana era a perdição dos olhos dele. Nunca se interessou muito pelo filho, mas a neta era tudo para ele.
- A sua neta é uma felizarda. Teve mais sorte do que eu que não saí daqui da parvónia. Ao menos ela foi para a cidade, conhecer outras coisas... Então diga-me lá: o que é que a traz cá hoje?